quinta-feira, 8 de maio de 2008

FUTRIBOL


Um dos esportes favoritos da humanidade, cada vez mais, é o balão-pé. E cada vez mais, desdobra-se em sintomas da, na e para a globalização. Futebol é cultura? Sim, mas também pode ser barbárie.

Quando os holligans massacram seus adversários; quando as torcidas uniformizadas se enfrentam armadas dentro e fora dos estádios; quando um mal perdedor perde a cabeça e dá uma cabeçada, perdendo a razão; quando um placar deflagra uma guerra; quando as vaias têm fundamento étnico, porque se detestam os diferentes, e morrem os inocentes; quando a polícia, que deveria nos proteger, também pode ser atacada, e revida matando torcedores, com ou sem necessidade; quando as bad drugs turbinam as massas ensandecidas; quando o final da partida deixa como saldo bandeiras incendiadas, do outro time ou de um outro país, constata-se que a lista de ocorrências pode ser maior, porque exemplos de agressividade futebolística sobram, desde sempre, embora tenham aumentado bastante nos últimos tempos. Um par de anos atrás, Manu Chao diagnosticou o ovo da serpente fascista sendo chocado nas arquibancadas.

Os jogos competitivos, sobre tudo os que se praticam em grupo, e ainda por cima, representando insígnias coletivas, quando não conseguem estar à altura do pacto simbólico de não-agressão, que é a condição da convivência, descambam para a violência. A crueldade incontida pode invadir todas as esferas sociais, e tomar conta dos esportes que, em princípio, não são disputados para brigar, senão, justamente, para se evitarem as brigas.

Quando a sublimação fracassa, a cultura respinga sangue, e gotas de suor viram lágrimas.

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Os bretões teriam bolado quase tudo, formatando uma brincadeira adulta que já acontecia, desde priscas eras, na América pré-colombiana. Além das regras, também inventaram as bolas de couro (redonda, para alegria dos pés, e oval, para ser ninada no rugby). Na península de Yucatán, a gorduchinha era feita com o látex das árvores, e quicava mais. Em compensação, quem perdia era sacrificado. Na comparação, o fair play inglês pode ser visto como um sofisticado código de ética & etiqueta, exportado ao mundo desde o centro de um império no apogeu, não para dominar, e sim para permitir que os senhores e seus escravos batessem uma pelada. Com elegância, os gentlemen conseguiam suspender as guerras de libertação e a luta de classes, pelo menos por noventa minutos. No entanto, tratar o rival com cortesia foi uma conquista para a humanidade.

Carlos Tevez nasceu num dos piores lugares da sociedade argentina, no Fuerte Apache, um bairro miserável da periferia portenha, onde todos são “índios”, e os “sherifes” nem ousam entrar. Pela graça recebida para com a bola, conseguiu sair dali, ganhando o mundo, mas sempre voltando, para carregar as pilhas, sem nunca esquecer os amigos e as raízes. (Uma síntese de Romário & Bob Marley.)

Foi reconhecido na própria terra, e depois emigrou, não só pela fama e a fortuna, senão para estagiar em outras bandas. No Brasil, foi querido e bem-vindo. Então aconteceu o caso Grafite, que poderia ter levado dois paises irmãos à guerra. A memória do leitor deverá preencher os detalhes do episódio. O jogador brasileiro foi xingado em Buenos Aires; e um jogador argentino foi preso no Brasil, acusado de racismo explícito. As situações se desdobraram nas mídias, inflamando o patriotismo e o fanatismo. Durante alguns dias, o pior esteve prestes a ser detonado. (E não foi, entre outros motivos, porque um conflito armado no Mercosul - fratricida, mas conveniente para terceiros -, tinha saído da agenda do Pentágono desde o final dos anos 80. Naqueles tempos, Deus era latino-americano ou, pelo menos, torcia a favor.)

Mas quem neutralizou a mala onda e trouxe amor & paz foi Carlitos, na mesma semana, aclamado por unanimidade o melhor jogador brasileiro, pelos próprios brasileiros. Entrevistado mil vezes, foi grande na humildade, e modesto no merecido orgulho, agradecendo seus novos patrícios, e devolvendo as vibrações positivas não apenas fazendo gols, como também compondo e cantando cúmbias com um grupo de amigos músicos, sua principal atividade fora dos gramados. Tanto brilho deixou a discórdia no escuro, e Grafite teve a alma lavada, graças ao Tevez. Preto & branco, mó respeito, ya mon.

Um dia, ele partiu, e mesmo que ninguém quisesse isso, foi despedido com alegria, e votos de boa sorte. Novamente nômade, ele nunca deixou de dar notícias. Do Estado de S. Paulo, sábado 3 de maio de 2008:


LORD TEVEZ

Em fase de paixão pelo seu atual time, o Manchester United, o boleiro argentino Carlos Tevez escreveu uma música de amor para a equipe. Mi amorosa aventura será gravada por sua banda, Piola Vago. O jogador ficou tocado quando ouviu torcedores ingleses gritarem “Ar-gen-ti-na!”.

Algo impensável no tempo da guerra das Malvinas.

Guerra é bala, não bola. Por culpa de uma casta militar assassina, e a popularidade menopáusica de uma primeira-ministra, muitas vidas jovens não existem mais. Tudo começou como uma jogada de desespero de uma junta militar acuada, que acabou saindo pela culatra. Os colonizadores responderam com quase todo o peso do seu armamento (não precisaram fazer uso de artefatos nucleares, mas cogitaram.). E também jogaram sujo, quando afundaram navios fora da zona de exclusão, violando as leis internacionais. Ganharam, por que não podiam perder. Os primos americanos, que mais tarde manteriam “relações carnais” com um governo corrupto que veio anos depois, ajudaram os gurkas e demais mercenários, deixando de quatro aos soldadinhos amadores, e se apropriando das ilhas para sempre, agora pela força das armas.

Os dois países, que nunca foram indiferentes um ao outro, teriam tudo para se detestarem forever. Despite os enormes latifúndios que a Coroa Britânica possui na Patagônia, e do estilo inglês fazer parte do ideal do ego dos portenhos (Italianos que falam espanhol, e pensam que são súditos da Rainha.) No entanto, nele cabe tanto Carlos Gardel, cantando tangos, como John Lennon, cantando Imagine.

Deus & Diego fazem gols do jeito deles, mano a mano. E o aquariano Carlitos Tevez, cantado & encantado, canta cúmbias em qualquer ilha.

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